Não gosto de gente que nunca se excede. Que nunca faz nada proibido, que nunca erra a mão. Gente que nunca come, bebe ou ama demais. Gente sem sal.
E a vida, sem sal, não tem a menor graça.
O sal vem da abundância do mar e, assim como ele, é perigoso e pode ser mortal se não for respeitado. O sal pede sabedoria, mas escancara a falta de juízo.
Cozinheira apaixonada salga demais a comida, porque a paixão é incontrolável e não dá para medir o tanto de amor - ou sal - é prudente salpicar em alguém quando se está no meio da tempestade. Enfia os dedos no saleiro, aperta o punhado de sal nas mãos e joga no feijão sem dó. Joga mais, e mais um pouco. (Sal tem que pegar com as mãos, para sentir melhor, porque a medida vem do coração.) E depois deixa a panela de pressão tremendo e gemendo um vapor salgado cheio de exageros. Mas viver não é preciso e sem excessos não se aprende.
Medir tudo cartograficamente para não errar é navegar num mar sem ondas, levar uma vida sem sal, sem lágrimas, nem suor.
O sal conserva a comida e conserva o frio na barriga. As paixões movem as marés, e mares cheios de grãos brilhantes refletem as estrelas q salpicam o céu. Tanto mar, tanta estrela e tanto sal que não cabe no peito. Onda gigantesca e devastadora, destruidora de receitas e calmarias.
Amor, mar e sal demais às vezes acontecem. Deixa acontecer. E se a vida estiver insossa, também já sabe o que fazer.
Sem paixão, pressão baixa, moleza, falta de graça? Põe um pouquinho de sal embaixo da língua que passa.